Chamada para artigos - Dossiês temáticos

Violações de direitos dos povos indígenas

Ataques diretos às comunidades foram e vêm sendo denunciados por entidades brasileiras e internacionais, além de parte da imprensa – muito embora, a difusão de informações esteja acontecendo sobretudo de forma autônoma, via internet. A série de relatórios “Violência contra os Povos Indígenas”, do Conselho Indigenista Missionário, lançada bi ou trienalmente até 2007, passou a destacar, todo ano, a partir de 2008, dezenas de casos de assassinatos e tentativas de assassinato, além de homicídios culposos, agressões, ameaças, casos de violência sexual e ataques racistas por todo o território nacional – sem falar em agressões indiretas, como as invasões das terras já demarcadas por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros, ou os casos de suicídios, muitas vezes relacionados a situações sociais de extrema miséria. Entretanto, ainda são muito poucos os esforços analíticos que visem à compreensão, esclarecimento e orientação de políticas públicas quanto à impactos às graves violações de direitos sofridas pelos povos indígenas anualmente. 

Outra característica da atual onda de ataques aos direitos indígenas é que, em alguns sentidos, ela impacta de forma geral os diferentes povos, mas, significativamente, também tem alguns efeitos bastante diversos entre grupos amazônicos – onde, geralmente, tratamos de grupos com terra ampla e já demarcada – e os do Centro-Sul e Nordeste – entre os quais a falta de espaço dá a tônica da situação de vulnerabilidade, pois fora da Amazônia está somente algo em torno de 1,5% do total de terras indígenas demarcadas no país. Segundo os números do Censo de 2010, hoje, cerca de 48% dos 896,9 mil indígenas vivem em estados da Amazônia Legal (cf. IBGE, 2012). Paralelamente ao aumento da gravidade desses problemas, observa-se a pouca eficácia de instituições como a FUNAI e o MPF em assegurar os direitos indígenas e direitos humanos. Nesse sentido, o Fórum visa também colocar-se como um espaço de articulação entre as lutas regionais feitas por movimentos indígenas e organizações civis em defesa dos direitos indígenas.

Nesse sentido, o dossiê especial sobre Violações de Direitos dos Povos Indígenas procurará consolidar-se como um espaço para a apresentação de estudos recentes de diversas áreas que, a partir da análise de casos, documentos e de comparações, procurem debruçar-se sobre as dificuldades e problemas sofridos pelos cidadãos indígenas no acesso à justiça e a seus direitos. 

  1. Desenvolvimentismo e seus impactos sobre os povos indígenas: Os projetos dos poderes legislativo e executivo e as decisões do judiciário vêm configurando como verdadeiros ataques aos direitos indígenas comprometendo o respeito às bases constitucionais e internacionais vigentes. Trabalhos que tematizem a questão da não observância pelo Estado de procedimentos como a consulta prévia, livre e esclarecida prevista pela Convenção 169 da OIT, as lutas de organizações indígenas contra os impactos socioambientais das chamadas Grande Obras, legislações indigenistas nacionais e internacionais, os desafios na implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental, dentre outros, certamente trarão contribuições importantes para a reflexão crítica sobre esse tema.
  2. Morosidade no acesso à Terra: A morosidade no processo de reconhecimento e titulação de Terras Indígenas vem sendo intensamente denunciada pelos movimentos indígenas e entidades indigenistas. Entendendo que a privação do acesso ao território significa, em muitos casos, a própria privação da vida de muitas populações, já que o território configura-se como o local de morada, de continuidade com os ancestrais, de realização de práticas econômicas, culturais e religiosas tradicionais, o dossiê acolherá trabalhos que analisem situações de as violações relacionadas a conflitos territoriais, bem como de demarcação em curso.
  3. Memória e Verdade: O direito à Memória e à Verdade é indissociável da efetivação da justiça e, cada vez mais, movimentos, organizações e famílias indígenas vêm engajando-se na busca por acesso à memória e a reparações coletivas. O dossiê acolherá estudos sobre casos graves de violações direitos indígenas ocorridos durante a Ditadura Militar e processos recentes de levantamentos documentais, mobilizações em torno desses direitos, conquistas de reparações coletivas e comparações com experiências similares de outros países, especialmente da América Latina.
  4. Práticas trabalhistas e comerciais ilegais: Práticas trabalhistas criminosas das quais são vítimas trabalhadores indígenas, como no caso das formas análogas à escravidão postas em prática pelas impagáveis “dívidas de caderneta”, são comuns na região amazônica e em outras partes do país apontando para processos de expropriação, exploração e violência quanto às pessoas indígenas. De modo grave, são inúmeros os casos de adoções ilegais de crianças indígenas para servirem ao trabalho doméstico não remunerado. Nos últimos anos, com o acesso mais amplo de segmentos da população indígena a benefícios sociais, passaram a ser comuns os casos de comerciantes e funcionários de agências bancárias que retêm cartões e senhas pessoais para furtar os recursos de correntistas indígenas. O dossiê acolherá estudos que visem à análise e descrição desses casos de graves violações de diretos indígenas no universe do trabalho.
  5. Vulnerabilidade social: Ressalta-se a importância do levantamento abranger igualmente situações de grande vulnerabilidade social decorrentes muitas vezes do acesso não acompanhado a benefícios sociais que vêm afetando segmentos e famílias indígenas que, em busca de uma melhoria de vida (leia-se, acesso a renda, saúde, educação etc.), têm migrado para as cidades circundantes às suas terras e mesmo para as grandes metrópoles.
  6. Saúde Indígenas: A má gestão dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), os processos de corrupção instalados na SESAI, a terceirização dos serviços, o despreparo dos profissionais de saúde para o trabalho intercultural, a falta de medicamentos, equipamentos e recursos humanos, dentre outros problemas, tornam cada vez mais dramática a atenção à saúde aos povos indígenas. O dossiê avaliará trabalhos que reflitam sobre a crescente violação pelo Estado do direito à saúde intercultural e específica dos povos indígenas. O Mapa da Violência de 2014 da Secretaria-Geral da República apontou a gravidade do suicídio indígena e especificamente do suicídio de jovens indígenas para diferentes regiões do país. Assim, receberão especial atenção, neste tema, trabalhos que enfoquem a questão do Suicídio Indígena.
  7. Adoção ilegal de crianças indígenas: No Brasil, observa-se a inexistência de uma legislação específica para a adoção de crianças indígenas, bem como a inoperância da efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em diversas regiões do país faz com que um número desconhecido de crianças indígenas seja sequestrada de seus seios familiares todos os anos. O dossiê acolherá trabalhos que tematizem a questões dos direitos das crianças indígenas, as violações e formas de violência sofridas pelas crianças em processos de adoção.
  8. Ameaças à integridade física: O genocídio de que são vítimas os povos indígenas no Brasil vem sendo amplamente denunciado e tem na série de relatórios “Violência contra os Povos Indígenas”, do Conselho Indigenista Missionário (2007), um documento importante de pressão para a punição de criminosos e garantia da segurança de famílias e comunidades indígenas. A omissão e descaso, por parte do Estado, fere de modo grave o direito à vida e à integridade física principalmente de lideranças políticas. Serão avaliados trabalhos que abordem casos de assassinatos e ameaçasdas quais foram vítimas cidadãos indígenas, assim como o papel do Estado na garantia da segurança e do direito à vida e integridade física.